A ideologia da saúde mental

16/08/2021

Um tema muito comentado e muito bem visto, não só entre os profissionais da área psi, mas também no que é conhecido como senso comum, é o da chamada saúde mental.

Um dos textos bases da clínica psicanalítica se chama Psicopatologia da Vida Cotidiana, cujo o primeiro capítulo foi publicado em 1898. Isso nos indica que Freud não propunha um modelo de saúde mental, mas sim que o cotidiano é caraterizado pela psicopatologia. Assim como em A Psicoterapia da Histeria, de 1895, em que a proposta freudiana é mais clara ao afirmar que: você poderá convencer-se de que haverá muito a ganhar se conseguirmos transformar seu sofrimento histérico numa infelicidade comum.

Então, não existe saúde mental? Essa é uma pergunta possível, mas provavelmente não é a mais importante. Se considerarmos que existe saúde mental, quem determinará o que será saudável nesse caso? E, como seria proposto esse ideal para as pessoas? Através de quais ferramentas? A saúde mental determinada serviria para todos? Seria imposta para todos? E, o fundamental para a psicanálise: onde fica o sujeito nisso tudo?

Para a psicanálise, o que importa é o sujeito e como ele se implica em suas escolhas. Se temos um modelo a ser seguido e alcançado, ou seja, uma ideologia da saúde mental, não temos mais lugar para o sujeito porque não há lugar para a singularidade. Em seu artigo Inibições, sintomas e angústia, Freud comenta que é o nosso trabalho tacanho, o do psicanalista, que aos poucos, um por um, dissolve qualquer manual, qualquer ideologia que tente dar conta da existência humana.

Outra face dessa questão da saúde mental é de que essa propaganda traz consigo mais uma promessa de felicidade. Existe uma maneira de ser feliz eternamente, se você obedecer a algumas regras. Parece sedutor? É possível? Tendo em vista as experiências passadas que, em nome de um bem comum e grandioso, as maiores atrocidades foram cometidas, parece que não.

Diante disso, a proposta do mestre vienense soa mais realista: poder viver a vida sem ser governado pelo sintoma. Nada mais, nada menos.

Alana Remor.

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Sexualidade Infantil

29/06/2021

A ideia de que a sexualidade é infantil traz em si muitas dúvidas. Vejamos algumas.

Se é infantil e, na infância não há genitalidade, que sexualidade é essa?

Claro que a sexualidade é infantil, inclui tudo o que a criança aprende desde cedo por via da estética - para ser bonita aos olhos dos pais - como admiração, inveja, amor, ciúme, raiva, medo, segurança, aconchego, simpatias, antipatias, preferências, alegria, tristeza, atração, repulsa e tudo o mais que puder mexer com suas emoções, embora estas emoções ainda não diretamente ligadas aos genitais.

A forma direta serve a procriação e perpetua a espécie. Essa função só poderá ser exercida após a puberdade. Ou seja, o que pensamos sobre sexualidade, essa forma genital direta para reprodução, só será uma pequena parte dela e exclusiva da vida adulta. Por não haver genitalidade, a sexualidade se manifesta pelas vias indiretas, posto que chamamos de diretas, as vias genitais. Isso mostra que o sexo não é somente o que ocorre nas esferas genitais e, mais importante, ele se inicia antes da genitalidade estar presente da forma adulta. Assim, a sexualidade é infantil e sua forma adulta (pós puberdade) é apenas extensão da forma infantil e dependente dela.

Se Freud fala que ela se desenvolve totalmente até os cinco anos de idade, então ela tem um início indireto, sublimado e sua forma final é a mais direta, ou seja, genital ou subordinada aos genitais. Contudo, Freud também inclui que seria possível haver um ato sexual sem algumas formas de aproximação e ações indiretas, como as carícias e beijos, por exemplo.

A sexualidade infantil, ou seja, a sublimada, é a que permite a construção da cultura. Pois, é a partir dos produtos da forma indireta, pela necessariedade do outro, que se aprende a conviver e buscar satisfação também indireta através das relações, trabalho, estudo, etc.

Temos de considerar que os aspectos indiretos do sexo, em sua maioria coincidem com o que foi vivido na infância, quando não poderia haver sexo genital, ou seja, havia somente substitutos, e substitutos de um original que ainda não estava presente. Esses substitutos já eram a sexualidade sublimada, já que a sublimação é da pulsão e não da genitalidade. A pulsão é a mesma desde sempre. O curioso é que essa extensão do sexual coincide com uma sublimação.

A cultura exige, então, tanto a forma adulta direta como exige a sexualidade infantil sublimada. A primeira, como exigência biológica da manutenção da vida e a segunda como manutenção da cultura mesma.

Carlos e Alana Remor.

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Psicanalista, restaurante?

08/08/2020

Considerações iniciais da minha pesquisa no mestrado.

A proposta é fazer um percurso desde as entrevistas preliminares até o que seria, dentre os possíveis, um fim de análise, principalmente no que se refere ao que Lacan chamou de direção da cura. Não se trata de trabalhar as especificidades dos fins de análise idealizados pela teoria, mas sim, propor uma reflexão sobre os efeitos de uma análise, tomando como ponto central a constituição do sujeito. Ou seja, trata-se de apresentar como, ao trabalhar para romper o sentido ao qual o sujeito se agarra como o único possível, o analista põe em marcha o que motoriza a constituição do sujeito, ou seja, a falta. Se se pode dizer que a análise tem uma possível meta, com toda relatividade que essa afirmação implica, essa meta seria algum reconhecimento dessa falta. Isso, com base na relação do sujeito com o objeto a, ou melhor, com o que o sujeito reconhece como seus postiços. A falta, a dor de existir é frequentemente vista como um vazio sem sentido que horroriza o sujeito, mas que ao mesmo tempo, o possibilita. É a partir dessa consideração que se propõe pensar se a análise ou o analista restaura alguma coisa para o analisante.

Esse tema foi inspirado no texto "O analista restaurante (acerca de self, eu e sujeito)" de Roberto Harari, de 1987. Neste texto, o autor faz uma exposição crítica, como ele mesmo se refere ao seu texto (Harari, 1987, pp. 83) sobre a concepção de Heinz Kohut sobre a experiência analítica. À guisa de esclarecimento, faz-se importante informar que Heinz Kohut, nascido na Áustria em 1913, foi um membro proeminente do Instituto de Psicanálise de Chicago, um grande expoente da psicanálise norte-americana e conhecido pelo desenvolvimento da psicologia do self. Harari analisa mais especificamente o último trabalho de Kohut "A restauração do self" de 1977. Como o nome do trabalho já nos indica, Kohut sustenta a tese de que "o self é um centro de iniciativa psicológica autopropulsado, autossustentado, coesivo, contínuo; é como uma unidade que busca seguir seu próprio curso outorgando um propósito central à personalidade e uma sensação de sentido à vida." (Harari, 1987, pp. 84). Harari propõe, então, que cabe a alcunha de analista restaurante ao analista kohutiano e se questiona se "consistirá esse modo de analisar na faculdade de levar o analista, como objeto à boca?" (Harari, 1987, pp. 84). É a partir daqui que propomos um percurso sobre o que estaria em jogo num percurso analítico.

O termo que intitula esta pesquisa 'restaurante' segue uma episteme negativa, dado que podemos perguntar o que uma análise seria capaz de restaurar? Ou ainda, seria meta de uma análise a restauração de alguma característica perdida? Ou que se possa conceber como perdida? A função do analista seria uma restauração? O psicanalista restaurante tem uma função, sem dúvida, mas não propriamente de restaurador. O significante também faz soar restaurante como o lugar onde se vai para comer, restaurando as forças. Ideia que vai de encontro com o tema em questão.

A episteme negativa propõe que o trabalho siga uma trajetória a partir do que não é. Ou seja, falar sobre o que não é, retirando os excessos que escondem o que é. Essa episteme negativa não é nova, já aparece em Freud, no seu texto "Sobre a Psicoterapia". Nesse texto, ele cita Leonardo da Vinci, que afirma que existem duas fórmulas de criação das artes: per via di porre e per via di levare. Via di porre consiste, segundo ele, no que caracteriza um quadro, onde acrescenta-se a tinta à tela branca. Contrariamente, a via dilevare consiste em retirar o que não é, para que reste, que surja o que é, como é o caso da escultura. Dessa maneira, Freud traz a ideia de que nossa tarefa consiste no correspondente ao procedimento da via di levare. É por aí que caminha a psicanálise - episteme negativa (Freud, 1905/1996, pp. 247).

Um bom exemplo desse método que propõe Freud, aparece claramente no filme "Camille Claudel", de Bruno Nuytten, quando uma criança pergunta, deslumbrada com a escultura de Camille, como a artista sabia que havia gente dentro da pedra. Essa pergunta sugere que o esculpido seria um objeto que já se encontrava lá, evoca essa ideia de que as coisas poderiam estar predestinadas, como se diz nas expressões populares - escrito nas estrelas. Ao considerarmos assim, no caso da psicanálise, desde o início, nas entrevistas preliminares, já poderíamos ter alguma ideia do resultado (como mostra a perspectiva da pergunta da criança). Na psicanálise, é claro que não sabemos, - mais ainda - não está lá, não há nada lá!

Harari em "O que se espera de uma análise" questiona o que pode ou propõe a psicanálise. Cita essa reflexão marcando que vivemos uma certa desesperança, em que os ideais de outrora já não inspiram mais e mostram claramente que não podem fazer outra coisa que falhar em entregar o que supostamente prometeram. E que mesmo vivendo em uma era da imagem, da cultura do narcísico, onde o importante são os prazeres individuais, sofremos. (Harari, 2008, pp.159-161).

Assim, essa primeira questão, o que pode a psicanálise, nos parece um fio condutor inicial para trabalhar. Mas, um ponto importante, talvez para desenvolvermos mais o tema, é a afirmação de que, mesmo com mudanças muito grandes que o mundo atravessou no último século (partamos do espaço de tempo desde a invenção da psicanálise por Freud até hoje), o sujeito sofre de um mal-estar. Apesar de muitas facilidades estarem ao alcance, cada vez mais disponíveis aparentemente, elas não aplacam o mal-estar do sujeito.

Essa questão nos parece essencial, tanto para pensarmos o que pode a psicanálise, tanto como ela opera. A análise restaura algo para quem a busca? A demanda do paciente coincide com o que pode oferecer uma análise? Todas essas são questões com implicações importantes, tanto técnicas quanto éticas, a serem trabalhadas.

Referências:

HARARI, R. El analista restaurante: (acerca del self, yo y sujeto). Discurrir el psicoanálisis. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión.

HARARI, R. O que se espera de uma análise? O psicanalista, o que é isso? Rio de Janeiro: Cia de Freud.

FREUD, S. Sobre o início do tratamento (novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I). Obras completas, Volume XII. Rio de Janeiro: Imago.

Alana Remor.

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O amor é próprio?

02/03/2020

A vontade de esquecer é um movimento do amor-próprio: mas então, o amor-próprio está em luta consigo mesmo e não para de lembrar; ferido, humilhado, ele busca se curar e aviva as feridas. Entre o esquecimento e a vontade há uma misteriosa cumplicidade: nessa espécie de penumbra onde o esquecimento é, por assim dizer, consentido, o olhar consegue evitar uma lembrança que lhe desagrada, mas porque há em nós uma divisão da vontade que, no mesmo ato, chama e recalca a lembrança.

Louis Lavelle - O Erro de Narciso

Amor-próprio é uma dessas expressões que se popularizaram de uns anos para cá e se transformaram em uma tentativa de cura para todos os males da existência humana. Não é difícil encontrar alguém ou alguma mensagem de "ame-se" frente a qualquer tipo de problema ou situação.

Em geral, essas dificuldades que se apresentam são decorrentes das relações com outros - o que leva a pergunta: amor-próprio ou amar-se, antes de tudo, facilita ou mesmo resolve essas dificuldades? Por que as relações com o outro são fontes de dificuldades?

O Eu, desde Freud, é consequência das identificações; e do mesmo modo, afirma que é a sede do narcisismo mais do que da consciência. No texto Psicologia das massas e análise do Eu, o mestre vienense a cita como "a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa". (Freud, 1921, p.115) A identificação tem um papel na história primitiva do Édipo, por exemplo, o menino gostaria de ser como seu pai e tomar seu lugar em tudo; toma o pai como seu ideal. Identificação que vem do ato de se tornar idêntico e absorver em si. Ou seja, ao querer se tornar idêntico ao seu ideal, o Eu absorve para si um traço que considera como bom.

Vappereau adverte que o narcisismo não é um defeito. No estádio do espelho, ocorrem duas posições do sujeito quanto a seu corpo: o corpo no espelho como corpo do outro, ou seja, extrínseco e, por outro lado, o Eu como intrínseco a seu próprio corpo.

Coordenar essas duas posições parece um ato simbólico impossível. Assim, o narcisismo é uma tensão erótica violenta necessária para praticar o simbólico. (Vappereau, 2016) Para Lacan, o Eu se forma pela identificação narcísica com a imagem do semelhante - a imagem especular que lhe oferece uma ideia de inteireza e independência. Por outro lado, essa semelhança pode se tornar ameaçadora já que, o outro semelhante pode, por isso, querer tomar seu lugar. Assim, o vizinho é quem pode colocar em perigo a autonomia e integridade do Eu. Daí que, o Eu coloca nessas semelhanças a hostilidade, caracterizando-as como diferenças.

O amor próprio é, em geral, um conflito narcísico que resulta na dificuldade de sair de si mesmo, de conhecer o mundo e de reconhecer que não ele é o único, e que é o outro que proporciona a possibilidade da diversidade. O amor próprio é uma dificuldade com a diferença, pois é a igualdade; tudo o que é visto como diferente, tomando como ponto central a si próprio, é ruim. Assim, não aprende nada, porque só se pode aprender a partir da diferença. A relação com o outro pode causar mal estar pois, em geral, mostra ao sujeito o que ele não reconhece e tenta esconder de si mesmo.

Assim, quanto mais amor-próprio, mais dificuldades em lidar com as surpresas que a vida apresenta.

FREUD, S. "Psicologia das massas e análise do eu".

HARARI, R."¿Por qué las pequeñas diferencias son tan grandes?"

VAPPEREAU, J.M. "La única construcción simbólica efectiva es el chiste" In El Telegrafo.

Disponível Aqui.

Alana Remor.

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Inibição: uma técnica do inconsciente

24/02/2020

O tema da inibição traz uma característica peculiar, pela qual podemos pensar na razão de haver pouca bibliografia a respeito. A inibição não é em si mesma um referente, ela se refere à diminuição do desempenho de uma função do Eu.

Em Sintomas, Inibições e Angústia, Freud a refere como ligada ao conceito de função e, por isso, ele se vale da análise de algumas funções do Eu para buscar as formas que as perturbações dessas funções assumem nas diferentes neuroses.

Tanto teoricamente quanto na prática analítica, a inibição não passa de mais um subterfúgio para o sujeito tentar driblar a angústia. Portanto, pode ser considerada uma negatividade relativa a um substituto, como as formações do inconsciente também o são.

Quando relaciona o conceito de inibição ao de sintoma, Freud chega a trata-los como sinônimos, embora indique alguma diferenciação pela frase "a inibição é um sintoma colocado no museu". O que se coloca no museu? - Aquilo que não tem mais serventia. Freud afirma: "Que existe uma relação entre a inibição e a angústia é algo evidente. Algumas inibições obviamente representam o abandono de uma função porque sua prática produziria angústia."

O problema da angústia em relação a repressão não é simples, mas sabemos, desde Freud, que o Eu é a sede da angústia.

Se o Eu é a sede da angústia, por outro lado, é também a sede do narcisismo. Mais uma tentativa de driblar a angústia, esta que é também resultado do narcisismo - ideia que mostra um caráter circular. Angústia e narcisismo mostram-se interdependentes.

O propósito da colocação do sintoma no museu é de aplacar a angústia. Contudo, isso fracassa, pois não se pode renunciar a nada, só ocorrem trocas. A pulsão encontrou um substituto apesar da repressão, mas um substituto mais reduzido, deslocado e inibido, porém não mais reconhecível como satisfação. E, quando a moção pulsional substitutiva é levada a efeito, não há qualquer sensação de prazer; sua realização apresenta, ao contrário, a qualidade de uma compulsão.

Por mais inesperado que possa parecer, o pai da psicanálise também toma a questão da inibição pela via do chiste. Os chistes são uma das quatro formações do inconsciente assim como os sonhos, os atos-falhos e os sintomas, todas elas processos de condensação que levam a abreviações e criam substitutos, portanto processos de mesma natureza - efeitos do recalque.

Diferentemente do sintoma, o chiste não aparenta a característica da compulsão e oferece um auxílio na suspensão da resistência.

Assim, o chiste tem um sentido, em seu aspecto geral, de dizer que "as vontades e desejos dos homens têm o direito de se tornarem aceitáveis ao lado de uma moralidade severa e cruel, (...) [pois] será impossível sufocar dentro de nós, a voz que se rebela contra as exigências da moralidade."

Freud afirma que os chistes podem encontrar obstáculos como os critérios morais e sociais que podem nos inibir quando nossa vontade implique em algo que possa ser considerado uma transgressão - o que causaria angústia e, por conseguinte, sustentaria uma inibição.

O trabalho proporcionado pelo chiste é fonte de intenso prazer e parece não angustiar o sujeito. A suspensão de uma inibição já é sentida como prazer.

Freud afirma que a repressão é o tipo de inibição mais amplo e de especial interesse para a Psicanálise. É a responsável pelo impedimento das moções pulsionais, submetidas a sua força, chegarem à consciência. Mas, os chistes podem proporcionar prazer, mesmo de pulsões já reprimidas. Podemos dizer que a característica primordial da elaboração dos chistes é a liberação de prazer pelo desfazimento das inibições. Nas palavras de Freud: "Ou fortalecem os propósitos a que servem, transmitindo-lhes apoio procedente das pulsões mantidas suprimidas, ou põem-se inteiramente a serviço dos propósitos suprimidos."

Essa questão do prazer, principalmente nos chistes, é crucial. Freud já afirmara que "o homem é um 'incansável buscador do prazer' - esqueço-me onde deparei com essa feliz expressão -, qualquer renúncia de um prazer já desfrutado é dura para ele."

A pergunta agora seria: o que possibilita tal prazer no mecanismo do chiste? Freud nos dá uma pista quando explica que tanto para conservar uma inibição quanto para construir uma deve-se fazer um investimento, ou seja, há uma despesa psíquica que possibilita a inibição. Daí que o autor diz ser válido supor que o prazer obtido dos chistes está relacionado "à despesa psíquica que é economizada." Mais adiante, afirma: "Devemos atentar para o fato de que 'a economia na despesa relativa à inibição ou à supressão' parece ser o segredo do efeito de prazer dos chistes."

Como dito anteriormente, a repressão e a angústia estão estreitamente ligadas, assim como a angústia e o narcisismo. Se o Eu é sede da angústia, como o chiste libera a repressão, gerando prazer, sem angustiar o Eu?

Uma possibilidade parece ser quando Freud afirma que os chistes têm outra forma de lidar com a inibição. Compreende-se a função dos deslocamentos no chiste se considerarmos a técnica dos chistes para transpor a inibição, técnica que consideramos o mais característico de seus traços. "Os chistes não criam compromissos; eles não evitam a inibição, mas insistem em manter inalterado o jogo com as palavras ou com o nonsense. Restringem-se, entretanto a uma escolha das ocasiões em que esse jogo ou esse nonsense possam ao mesmo tempo parecer permissíveis (nos gracejos) ou sensatos (nos chistes), graças à ambiguidade das palavras ou à multiplicidade das relações conceptuais. Nada distingue os chistes mais nitidamente de todas as outras estruturas psíquicas do que essa bilateralidade e essa duplicidade verbal".

Assim, o prazer obtido vem da suspensão da inibição, mas o conteúdo inibido continua inalterado. O chiste diz, mas não revela. Não há mudança na posição subjetiva.

Essa formação do inconsciente é a maneira de satisfazer, na medida em que se pode dizer satisfação, as pulsões agressivas e sexuais. Freud afirma que essas pulsões são restringidas pela educação e moralidade. Os chistes trazem à tona os temas agressão e sexualidade, mas só podemos rir dos chistes que tratam desses temas de maneira muito refinada e elevada. Caso contrário, nos inibimos com a obscenidade.

No chiste, os métodos invalidados pela lógica são aceitos e os pensamentos e palavras podem ser mesclados, mesmo quando essa técnica revele um sem sentido. Dessa forma mostram, pela falta de uma conexão lógica, uma outra lógica. Uma lógica que se mantém velada.

Assim, o chiste transpõe sem transgredir. Transpõe a inibição sem transgredir os ideais.

Trabalho apresentado nas Jornadas da Maiêutica: "Inibições, Sintomas e Angústia", dias 25 e 26/09/2015.

FREUD, S. Os chistes e sua relação com o inconsciente. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. VIII.

FREUD, S. "Inibições, Sintomas e Angústia". In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. v. XX.

Alana Remor.

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